Humberto Silva de Lima
Ensaio
Falar de televisão remete a que se fale de algo bem mais antigo que ela, isto é, a própria imagem, a forma de o homem representar as coisas que deseja por meio de símbolos, sinais, traços, marcas e toda uma série de elementos visuais.
As imagens nunca são gratuitas. Quando aparecem para que o homem as veja, servem de meio de ligação com o outro mundo, que é o imaginário da sociedade. A televisão está intensamente imersa nessa ideia.
A capacidade de o telespectador, munido de um controle remoto, mudar rapidamente de canais de TV e correr por várias programações introduz um novo conceito de recepção de programas. Trata-se de um componente "interativo", dentro da forma de alguém assistir aos programas de televisão. Nesse âmbito, muitas vezes a televisão, principal media de comunicação, tem louvado atitudes muitas vezes contrárias à ética e à moral. A atitude de "fazer a justiça com as próprias mãos", por exemplo, tem sido louvada ao extremo. Esse e outros exemplos têm, implicitamente, agradado à massa.
Uma breve consideração cabe aqui sobre a ideia da cultura de massa. Deve–se falar na verdade de indústria cultural, termo esse que foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Este, numa série de conferências radiofônicas, pronunciadas em 1962, explicou que a expressão "indústria cultural" visa a substituir "cultura de massa", pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da expressão "cultura de massa" querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas (MÜLLER-DOOHM, 2005).
Para Adorno (ADORNO & HABERMAS, 1971), que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Os fins comerciais da indústria cultural são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. A televisão é um dos exemplos consideráveis de indústria cultural.
A TV da nova era tem uma ampliação considerável na fonte de emissão (desaparece o controle monopolista por parte de algumas cadeias ou redes) e apresenta uma espécie de pulverização dos canais. Muitas emissoras produzem uma variedade de programas, que dá ao telespectador a oportunidade de oscilar a recepção em vários canais e, consequentemente, a fuga da monotonia unitária da televisão. Isso não tem a ver com a qualidade dos programas.
A televisão pode ser entendida em duas fases, segundo Filho (1986, 1994).
Na primeira fase (décadas de 50 a 70), a televisão, cujos programas, no início, eram transmitidos ao vivo e, depois do vídeo tape, passaram a ser gravados, era vista como uma janela para o mundo. As pessoas viam o mundo por meio dos programas de TV, o que lembra perfeitamente a atual logomarca da TV Globo.
Na segunda fase (década de 80 em diante), a televisão deixa de intermediar. Ela não é mais um mero media de comunicação. A TV, produzindo imaginários, passa a ser o componente denominado auto-referência ou a própria celebração. Ela mesma é o espetáculo. A media televisiva não é mais um ponto intermediário entre o acontecimento e um telespectador. O conteúdo dos programas parte dela mesma e chega até o telespectador que, alienado e manipulado por aqueles que ditam comportamentos, não consegue selecionar os boas (e raríssimas) atrações. Ela deixa de transmitir o mundo e passa fabricá-lo. Desaparece, então, a transparência das emissoras de TV.
A verdade nesse contexto é o que se passa nos estúdios, nos camarins, nos almoxarifados, nos arquivos de televisão. Hoje, a media televisiva se abdicou de qualquer função ou compromisso com o retrato fiel do mundo. Cria mundos, muitas vezes imorais, como se vê, por exemplo, nos programas sensacionalistas e de fofocas. Os reality shows atualmente contribuem enormemente para o quadro de desordem moral, expressão essa registrada pelo filósofo escocês Alasdair MacIntyre (2001), que denuncia uma inversão da moralidade nas sociedades atuais e que propõe a vivências das virtudes aristotélicas (ARISTÓTELES, séc. IV. a.C, 2007). Essa filosofia pode e deve ser base dos programas de televisão, mas isso não cabe discutir neste texto. Mas, de início, pensa-se que educar o povo e calcar os programas nas virtudes, como a prudência e a justiça, por exemplo, podem significar perda de ibope.
LIMA, Humberto Silva de. A evolução dos programas de televisão.
XV
SEMATEC – IFRJ / UFRJ (Pós-graduação -FE), 2009.
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