PROSA
DE SEPARAÇÃO
Maria não estava em
condições de consolar a cunhada naquele momento. As perturbações de Eduardo
começaram com o novo emprego dele: problemas nas vendas, aumento de metas,
pressão por todos os lados. Carlos já havia percebido que ajudar o marido de
Isabel era, como dizem os populares, “rabo de foguete”. Realmente Eduardo não
estava pronto.
Os operários eram “livres” para vender sua força de
trabalho em troca de um salário, e essa era a condição deles para a
sobrevivência, já que não eram donos dos meios de produção. Trata-se do âmago do
capitalismo utilitário: o homem se vê como uma mercadoria a ser vendida. Se
está sobrando, melhor jogar fora de alguma forma.
- Isa, você não está se sentindo bem hoje?
Ela demora a responder porque seus pensamentos ainda não
estão adequados ao sistema acelerado. O mundo não era assim ainda no casamento.
O que será que aconteceu em tão pouco tempo?
- Preciso pensar um pouco.
- Mas você precisa reagir.
- Por quê? Maria, eu preciso de tempo. Não quero estar
como o meu marido está, num leito de hospital, entre a vida e a morte por causa
de trabalho.
- Mas o que você vai fazer?
- Se não fosse essa pressão toda em cima da cabeça dele,
certamente ele não estaria assim. Hoje o que eu vejo? Uma mercadoria jogada no
conserto, porque o celular dele não para de tocar. São cobranças e mais
cobranças.
- Mas a vida é feita de cobranças.
- Somos humanos, não máquinas.
Sempre
somos bombardeados por compromissos: trabalhos, contas a pagar, família etc.
Mas o que aconteceu com Eduardo não era ainda o que Isabel esperava. Ela o
amava e não queria perdê-lo. Carlos pensava na vida feliz que eles levavam,
mesmo com os problemas psicológicos de Eduardo. Não era nada grave, o problema
é que Eduardo não aguentava pressão. Ninguém sabia que Eduardo tinha pressão
alta, nem mesmo ele sabia. Era um problema silencioso que, para alguns médicos,
é algo mais perigoso.
O
mais (des)interessante é o fato de os colegas de trabalho de Eduardo viverem um
mundo distópico diante dos dilemas familiares alheios. O espírito capitalista
parece reinar diante da desgraça que paira sobre um casal.
-
Infelizmente, não resistiu. Lamentamos muito.
O
que foi um dia riso se tornou pranto. A calma se tornou vento. O amigo próximo
se fez distante.
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